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Morreu João Cutileiro, o alentejano que é “pai” do D. Sebastião de Lagos

Morreu João Cutileiro, que era alentejano e trabalhou muitos anos em Lagos, onde está a sua mais icónica obra, o D. Sebastião.

O escultor, nome maior das artes plásticas do século XX, morreu na madrugada desta terça-feira no Hospital Pulido Valente, em Lisboa, aos 83 anos, de complicações provocadas por um enfisema pulmonar, confirmou a família ao jornal Público.

João Cutileiro nasceu em Pavia, no concelho de Mora, em 1937. O Público recorda que o seu pai, que era médico, «mantinha em Lisboa um círculo de amigos onde se contava António Pedro, membro do Grupo Surrealista de Lisboa que, em 1946, leva o jovem para trabalhar no seu atelier».

Cutileiro passou ainda pelo estúdio do ceramista Jorge Barradas (até 1951) e do escultor António Duarte, «com o qual toma um primeiro contacto com o mármore».

Foi, porém, uma viagem a Florença, no princípio da década de 1950, que o fez escolher em definitivo a escultura. Na cidade italiana, o jovem João descobriu a escultura de Miguel Ângelo, o que, no seu regresso a Portugal, o levou a inscrever-se na Escola de Belas Artes de Lisboa.

Mas só por lá ficou dois anos, depois de ter como professor Leopoldo de Almeida, o escultor que era uma espécie de porta-voz do Estado Novo, sendo mesmo, com o arquiteto Cottinelli Telmo, autor do Padrão dos Descobrimentos.

Ora, João Cutileiro queria experimentar novos materiais e novas linguagens, pelo que deixou a Escola de Belas Artes.

Por influência de Paula Rego, rumou a Londres e à Slade School of Arts, onde foi aluno de Reg Butler. Em 1961, com Paula Rego e Joaquim Rodrigo, entre outros, participou na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, passando, desde aí, a estar sob o olhar de quem, em Portugal, estava atento ao que de mais inovador se fazia nas artes plásticas.

Nos anos 60, mantendo-se em Londres, sucedem-se as exposições em Portugal, onde se mantém «fiel ao registo figurativo, compondo, em pedra, figuras, árvores, caixas, por vezes de influência surrealizante».

 

D. Sebastião – Foto de: Francisco Castelo/CMLagos

 

Em 1980, João Cutileiro regressa a Portugal e instala-se em Lagos. Será aqui que, em 1973, realiza, por encomenda pública, aquela que é a sua obra mais icónica: a estátua de D. Sebastião.

Trata-se de uma escultura que rompe por completo com os padrões da escultura nacional, nomeadamente com as figuras atléticas e heróicas de Leopoldo de Almeida, que tinha sido professor de Cutileiro em Lisboa.

O ar efeminado, frágil, de menino (ou menina) do D. Sebastião de Cutileiro causou mesmo escândalo, com reflexos na imprensa ligada ao regime do Estado Novo. Mas a obra lá está até hoje, no centro de uma das principais praças da cidade de Lagos, onde há ainda outras obras de Cutileiro.

Ana Paula Amendoeira, diretora regional de Cultura do Alentejo, disse, em 2017, ao jornal Público que a sua escultura de D. Sebastião «é uma das suas obras públicas mais relevantes, mas criou polémica, na altura, porque não era o tipo de escultura figurativa que havia e ainda há em Portugal. Ele fez o anti-herói e é uma peça lindíssima».

O escultor, acrescentou, «dessacralizou o espaço público com as suas obras, deu-lhe um outro valor de memória cívica e de harmonia com a vida pública, afirmando-se na arte contemporânea com um caminho de aprendizagem e de confronto com o objeto artístico, quase sempre no mesmo suporte: a pedra dura».

Em 1980, Cutileiro, porque não encontrou as condições de que precisava em Lagos, regressa ao seu Alentejo natal e instala-se em Évora, onde manteve uma oficina, que acolheu um importante grupo de então jovens escultores, como José Pedro Croft ou Sérgio Taborda.

É também em Évora que, nos anos 80, Cutileiro cria o Simpósio Internacional de Escultura em Pedra, ao qual trouxe alguns dos maiores escultores internacionais.

Recentemente, em 2018, João Cutileiro doou o seu espólio e casa-atelier em Évora ao Estado. Apesar de pouco ligar a distinções, o escultor recebeu doutoramentos honoris causa pelas universidades de Évora (2013) e Nova de Lisboa (2017), depois de em 1983 ter sido agraciado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

Ao longo da sua carreira, e depois do D. Sebastião de Lagos, em 1973, Cutileiro continuou a redefinir a forma como, em Portugal, se representava as figuras históricas, dando-lhes um ar de pessoas terra-a-terra, bem longe da imagem de heróis invencíveis que ainda perdura em alguns livros de História.

Basta recordar o seu D. Afonso Henriques, em Guimarães, o Camões monumental de Cascais, o D. Sancho I de Torres Novas, ou ainda o Monumento ao 25 de Abril, que «retoma os modelos fálicos dos menires alentejanos», localizado no topo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, e que foi encomendado por ocasião dos 25 anos da revolução portuguesa, ou mesmo o Lago das Tágides que construiu para a Expo’98, e que hoje se mantém no Parque das Nações, em Lisboa.

No Algarve, além das esculturas em Lagos, há outras importantes obras públicas de João Cutileiro: a do Pescador na ribeira de Alvor, inaugurada em 2000. Mesmo tendo sido esculpida três décadas depois do D. Sebastião, a inauguração desta escultura não deixou também de estar envolta em polémica. E ainda a do Marquês de Pombal, à beira do Guadiana, em Vila Real de Santo António, inaugurada a 13 de Maio de 2009.

 

A estátua do Marquês de Pombal, em Vila Real de Santo António – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

 

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